Eu falhei. O que a minha demissão me ensina?
Na última quarta-feira, dia 06 de março de 2025, fui demitido do meu trabalho . Às 09h00 da manhã, sentei-me no escritório como eu costumava fazer todos os dias e levantei a tela do notebook da empresa. Uma manhã normal. Absolutamente normal.
Para a minha supresa, uma reunião privada com o meu gestor foi marcada por ele para essa primeira hora, 09h00. Entrei na reunião e só estava ele lá. Apático. Disse-me para esperar um pouco e, de repente, duas pessoas do RH (se eu estivesse no mundo corporativo, por tolice que todo mundo aceita, deveria dizer “Pessoas & Cultura”, mas não estou mais; portanto, dane-se) entraram na reunião também.
O gestor, ainda apático, me disse:
- Bom. Não há maneira fácil de dar essa notícia, então vou ser direto. A companhia tem planos para a área de IA e não vê você como a melhor escolha para assumir a área – eu trabalhava como coordenador de IA. Desejo a você sucesso na sua carreira profissional. Agora, vou deixar você com o pessoal de “Pessoas & Cultura” que vão informar os próximos passos.
Pronto. Saiu da reunião e me deixou com o RH (RH, pelo amor de Deus).
Eu confesso que estava esperando por isso, pois nos últimos meses, várias atitudes estranhas do meu gestor serviram como indicativos. E confesso também que eu sonhava por isso. Não consigo me imaginar “construindo uma carreira” numa empresa. Não há nada mais triste do que um homem que deposita a sua vida na construção de uma carreira. Nada.
Como eu escrevi nas notas aqui do Substack, por um lado, senti-me livre, como se os grilhões que me prendiam aos pés se desfizessem. Por outro, senti medo, como se estivesse numa floresta sem trilha.
O medo, na verdade, foi exatamente o que se manifestou com força naquela manhã de quarta-feira. O que eu deveria fazer? Tenho uma família com quatro filhos e despesas fixas todo mês. Moramos de aluguel. E agora? Isso me aterrorizava – ainda me aterroriza se eu me deixo levar pelos sentimentos evocados naquela manhã. E agora?
Eu falhei. E é essa falha que me trouxe a este texto de hoje. O sentido das falhas na vida humana.
Todos nós, talvez como consequência das redes sociais, gostamos de falar dos nossos sucessos na vida. De amplificar os nossos sucessos. Veja a minha biblioteca pessoal. Ela não é linda? São três mil livros aqui. Ah, veja essa obra raríssima que tenho aqui.
Olhe essa casa de campo que construi. Morar no campo é liberdade. É maravilhoso. E por aí vai. Ninguém escapa. Todo mundo sente-se bem em falar dos sucessos na sua vida. Como eu disse, talvez isso seja amplificado pelas redes sociais.
Pera lá. Veja bem, eu não estou sendo aqueles chatões que ficam criticando o Instagram ao dizerem que lá todo mundo vive como se estivesse numa propaganda da Margarina. Não. Eu não vejo problema nenhum em amplificarmos o sucesso. O meu ponto aqui, com essa história de sucesso, é que essa atitude tende a ofuscar a devida reflexão sobre as falhas.
Mas errar é humano. Eu sei que é clichê, mas quem disse que o clichê não pode ser verdadeiro?
Falhar é profundamente humano. Todos nós falhamos. Mesmo que ninguém fale sobre as suas falhas, todos possuem falhas. Morais, intelectuais, profissionais ou o que quer que seja. Ninguém escapa.
Isso não significa que devemos nos conformar com as falhas. Obviamente, isso seria buscar uma vida medíocre. As falhas devem servir como motor para a ação. Impulso para buscar ser melhor.
Nossas ações e escolhas estão intrinsecamente ligadas ao conhecimento que adquirimos por meio da experiência. Deveriam estar. Quando cometemos erros, frequentemente é porque nossa compreensão da realidade permanece incompleta ou distorcida. Portanto, o erro deve ser impulso para o autoexame. Deve ser motor para saber o que aconteceu e o seu porquê. E deve gerar ação.
Os estoicos costumavam meditar por um bom tempo sobre contrafactuais negativos – meditações sobre o que poderia dar errado, sobre o pior cenário possível, sobre o que poderia estar fora do seu controle etc. Eles faziam isso, em partes, para eliminarem o desconforto da supresa. Como escreveu Sêneca:
Nada acontece com o homem sábio contra suas expectativas.
Mas eles não praticavam essa meditação apenas por causa do desconforto da supresa, mas também para aceitarem com sabedoria os acontecimentos da vida. Incluindo as falhas, que são humanas, como diz o clichê.
As falhas são acontecimentos desconfortantes. É claro. Então, se devo aceitar com sabedoria os acontecimentos e não me conformar com as falhas, o que devo fazer?
Penso eu que o conselho do Imperador-filósofo, que, aliás, leremos no nosso clube do livro, é adequado.
…poderia ser criado obstáculo para alguma das minhas atividades, mas graças ao meu instinto e à minha disposição, não são obstáculos, devido à minha capacidade de seleção e de adaptação às circunstâncias. Porque a inteligência derruba e afasta tudo o que é obstáculo para sua atividade encaminhada ao objetivo proposto, e converte-se em ação o que retinha essa ação, e em caminho o que era obstáculo nesse caminho.
Marco Aurélio quer dizer que tudo é uma oportunidade de praticar virtudes. Tudo. Portanto, as falhas são uma oportunidade de praticar virtudes. As falhas se tornam caminham. Não são mais obstáculos no caminho, mas o próprio caminho.
Uma demissão não é o fim e nem um obstáculo. É uma oportunidade. Na minha tese de doutorado, deixei escrito um poema de Tolkien porque estava se encerrando um ciclo. Se toda falha é uma oportunidade, toda falha é o fim de um ciclo também. Logo, o poema de Tolkien cabe perfeitamente para uma demissão.
A estrada avança sempre, sempre,
A partir da porta onde começou.
Agora a estrada chegou muito longe
E tenho de segui-la, se puder.
De percorrê-la com pés fatigados,
Até se fundir noutro caminho maior,
Onde se encontram muitos caminhos e missões.
E depois, para onde? Não sei dizer.
Deividi Pansera
Às vezes, as falhas abrem frestas para os maiores acertos. Obrigado pela sinceridade no texto.
Que texto verdadeiro! Excelente, professor. Excelente.